quarta-feira, 31 de março de 2010

Jogando fora


Era uma formiga no fundo de uma lixeira. Estava completamente soterrada por grandes sacos abarrotados de restos de alguma coisa muito suja e fedida, lacrados improvisadamente como se nem tivessem levado a menor atenção por quem os pôs ali simplesmente por tratar um lixo como um lixo. Aquele lugar era um desejo imundo. Um lugar onde não havia espaço nem para um fóton entrar... já que as sacolas não permitiam tal façanha. A gravidade fazia questão de tornar tudo bem mais pesado, puxando mais ainda para baixo, retraindo mais ainda para baixo. E lá estava a formiguinha. Tão caída... tão fraca e debilitada que dava um dó enorme. Mas não nos deixemos enganar. Ela está lá por querer. É rabugenta demais para aceitar ajuda. Se julga Adulta como quem se julga Deus. Ao mesmo tempo, sempre foi inquieta demais para auto-imprimir desafios. Sua imagem estava sim, de fato, quebrada. No fundo daquela lixeira, soterrada em tanto lixo, ela parecia mais um lixo. Acho que a formiguinha deve ter se jogado lá sem perceber que o barro estraçalhado realmente era ela. Era realmente pedir demais para uma formiga se diferenciar de um lixo? Ali, parecia padecer de todos os pecados e sentindo o efeito de uma injeção letal de apatia. Suas patinhas quebradas representavam um gesto de pena tão poderoso que não havia como ela se erguer novamente. A fome já devia ter comido boa parte de seu organismo e de seus sentidos. Fazia tempo que não admirava o céu.... tanto que nem lembrava qual era a cor que ele tinha; Quais as nuances que as núvens reproduziam. Por um segundo, ela imaginou que era possível olhar para cima e ver a face de Deus. Sorriu de um sorriso tão esperançoso quando lembrou-se disso. Foi quando algo surpreendente aconteceu. Um feixe tímido de luz incidiu bem na frente de sua face. Que susto! Mas é verdade, Olha ele bem ali! Se a luz está ali, então resta uma saída.... Resta Uma Saída, RESTA UMA SAÍDA! Se os olhos não estivessem tão preocupados em se manterem ali, ajudando no equilíbrio da cabeça para não ser esmagada pelos dejetos, com certeza chorariam. A formiguinha só precisaria sair dali. Avaliou a situação e chegou à conclusão de que não conseguiria. Relutou... relutou... até que percebeu que sua cabeça não doia pelo peso insuportável dos sacos de lixo: era a sua vontade que gritava... a um ponto que chegava a ensurdecer. Se baseando mais na vontade de querer se calar do que querer sair, esboçou um plano de fuga bem simples: reconhecer suas possibilidades. Por sinal... quais seriam estas? ... Bem, umas pernas quebradas e uma cabeça espremida não são grandes triunfos. Não, de fato. Muito menos acompanhados de uma resistência murcha. Foi quando a formiguinha lembrou-se de que por ela ainda passava o sopro da vida; o capaz de dar vida à qualquer coisa, até mesmo à que ainda está viva, mas já morreu.Compadeceu-se de si mesma, resolveu inflar-se... crescer até onde ela mesma pudesse ir, talvez bem além do seu limite.Resgatou-se de lá e foi saindo, com a mesma feição de quem sai da toca e sente o sol. Foi emergindo a curtos passos... Talvez tão curtos que pareceriam insignificantes, mas donos de uma perseverança digna de aplausos emocionados. Quando finalmente se afincou na superfície, pôde perceber o quanto tudo o que estava abaixo dela era lixo e o quanto o céu estava azul. Olhou para si mesma em sinal de auto-contemplação e percebeu que , a partir daquele momentos, era uma formiga no fundo de uma lixeira.

(Perdoem os erros... é que eu escrevi ROXO DE SONO!)